O mundo das proteínas em pó
Se Eric Clapton tivesse composto esta música em 2025:
“If you got bad news, you want to kick them blues, cocaine protein
When your day is done, and you want to run, cocaine protein
She don't lie, she don't lie, she don't lie
Cocaine Protein”
Sim, realmente parece que a nossa sociedade tem um fetiche qualquer pela proteina. Portanto, vamos mergulhar um pouco nesses pózinhos tão cobiçados mas felizmente mais legais e mais inócuos que outros.
Portanto, hoje falamos aqui dos suplementos de proteína em pó.
Começo já por dizer que a suplementação de proteína é desnecessária para a maioria das pessoas. Numa alimentação saudável (normal ou de base vegetal, ou até mesmo totalmente vegana) é perfeitamente possível atingir as necessidades proteicas sem recorrer a pós ou batidos, desde que a dieta seja variada.
Para pessoas saudáveis que não praticam exercício físico de forma consistente, a suplementação não traz vantagens. Em qualquer caso, é aconselhável evitar o uso abusivo, e não substituir refeições por batidos.
No entanto, na menopausa, pode ser uma opção interessante. Especialmente no contexto de uma mulher que sim pratica exercício físico.
Porque é que se fala tanto de proteína na menopausa?
A partir dos 45–50 anos, começamos a perder massa muscular mais depressa.
O exercício, sobretudo o treino de força, é a ferramenta principal. Se não ouviste ainda o episódio 2 do Podcast da rubrica Sanity Fair sobre o assunto, vai fazê-lo; entretanto, fica descansada: o treino de força não te vai transformar numa mulher super musculada, estilo body builder. Nem mesmo que tentasses muito. Podes usar a carga máxima que conseguires (sem ficar com lesões) e não precisas ficar sempre com os pesos mais leves por medo a ganhar demasiado músculo: isto não vai acontecer. Porque sendo mulheres, não temos muita hipótese de crescermos demasiado, a não ser que usemos hormonas anabolizantes com este propósito. E se formos mulheres em perimenopausa ou pós-menopausa, a hipótese de ganhar demasiado músculo é simplesmente nula.
Ora, para ganhar/manter uma massa muscular adequada, a ingestão de proteína faz diferença: mesmo quando se fazem treinos de força regulares ou aulas em ginásio, há fatores fisiológicos que tornam o metabolismo da proteína mais exigente.
Eis os principais:
Sarcopenia (perda natural de massa muscular com a idade)
A sarcopenia é o termo médico que descreve a perda progressiva de massa e força muscular associada ao envelhecimento. Começa de forma subtil por volta dos 40 anos, mas acelera significativamente após os 50.
Se não for combatida com atividade física adequada e um consumo proteico suficiente, esta perda leva à diminuição do metabolismo basal, ou seja o corpo gasta menos energia; perda de mobilidade, e aumento do risco de osteoporose.
Maior resistência anabólica
Com a idade, os músculos tornam-se menos sensíveis ao estímulo do exercício e da ingestão de proteína. Este fenómeno chama-se resistência anabólica.
Na prática, isto significa que: um adulto jovem pode estimular síntese muscular com 15–20g de proteína por refeição;
Ma uma mulher de 55 anos pode precisar de 25–35g por refeição para obter o mesmo efeito.
Necessidade de regeneração muscular
Sempre que fazes treino de força, treino funcional ou mesmo cardio exigente, há microdanos no tecido muscular que precisam de aminoácidos para serem reparados.
Se o consumo de proteína não for suficiente, o corpo não consegue regenerar bem o músculo; isto pode levar a perda de massa magra mesmo com treino; e aumenta o risco de fadiga e de lesões musculares.
Função metabólica e neurológica
Além da sua função estrutural, a proteína é essencial para a função cognitiva (formação de neurotransmissores), o equilíbrio hormonal e do apetite, o equilíbrio postural e coordenação motora.
Um aporte adequado de proteína, distribuído ao longo do dia, protege o corpo e o cérebro contra o envelhecimento precoce.
O valor mínimo para um adulto sedentário saudável é 0,8 g de proteína por Kg de peso corporal/dia. Para uma mulher de 60 kg, isso dá 48g por dia.
Esse valor é suficiente apenas para evitar deficiências clínicas, mas não é adequado para manter ou ganhar massa muscular, nem para otimizar saúde a partir dos 50 anos.
Se praticares exercício e consumires só esse valor, não terás proteína suficiente para reparar o músculo; o corpo pode degradar tecido muscular para suprir carências; e o risco de sarcopenia, osteopenia e perda de funcionalidade aumenta.
Na prática:
Para uma mulher ativa entre os 50 e 60 anos, é recomendado entre:
1,2 e 1,6 g de proteína por kg de peso/dia para manutenção e saúde;
até 2,0 g/kg se houver treino regular de força e objetivo de recomposição corporal.
Ou seja, para uma mulher de 60 kg, o ideal seria consumir entre 75 e 120 g de proteína por dia, distribuídos em 3 a 4 refeições.
Para atingir esses números, sim, pode ser interessante considerar o uso de proteínas em pó.
As proteínas em pó são extraídas de alimentos (leite, ervilhas, arroz, soja, sementes…) e concentradas.
Vamos ver agora que tipos de proteína em pó podemos encontrar no mercado:
Proteínas em pó de origem animal
1. Whey (soro de leite)
A mais estudada.
Pró: boa eficácia, sabor geralmente bom, dissolve bem
Contra: não apta para pessoas que evitam produtos lácteos.
2. Caseína
Digere-se mais lentamente.
Pró: pode ser interessante para aumentar a sensação de saciedade.
Contra: textura espessa; pode causar distensão abdominal; inflamatória; não apta para pessoas que evitam produtos lácteos.
Proteínas em pó de origem vegetal
Obviamente, eu tendo a aconselhar mais este tipo de proteina. De longe, as mais comuns em Portugal são: ervilha, arroz, cânhamo, isoladas ou em mistura (por exemplo, as da Iswari). E tremoço (Tarwi).
Mas existem também de: soja, amêndoa, girassol, abóbora. Estas, de momento só encontras em lojas on-line.
Fáceis de usar e versáteis, vegetais…aparentemente, tudo ótimo, certo?
Nem por isso. Temos basicamente três problemas com as proteínas vegetais em pó:
A contaminação por metais pesados;
A digestão;
O sabor.
1. A contaminação por metais pesados depende das condições do solo, da água de irrigação e dos processos industriais. Os metais pesados mais frequentemente encontrados são cádmio e chumbo, além de arsénico inorgânico, a forma mais problemática do arsénico por ser carcinogénica e cumulativa no organismo.
As proteínas de arroz, soja e ervilha. e especialmente misturas com cacau, apresentam níveis mais elevados destes contaminantes.
O arroz é particularmente eficiente em absorver arsénico do solo e da água. Quando os grãos são concentrados para produzir proteína, o nível de arsénico por dose aumenta drasticamente. Apesar de mais segura que a de arroz, a ervilha também absorve chumbo e cádmio do solo. A quantidade depende de práticas agrícolas, fertilização e localização das plantações. A soja tende a concentrar chumbo e cádmio devido aos processos de produção industriais da proteína em pó.
Os níveis mais preocupantes encontram-se nas misturas com cacau. O cacau é uma das plantas mais globalmente tendentes a acumular cádmio, devido a características do solo onde é cultivado (frequentemente em zonas vulcânicas). Quando as proteínas vegetais são misturadas com cacau, o resultado é um produto com carga muito superior de metais pesados.
Que fazer então? Escolher as proteínas em pó mais limpas: abóbora, tremoço, girassol, cânhamo…e puras, sem misturas.
2. A digestão deste tipo de proteínas é difícil. Basicamente, caem no intestino como um piano de cauda do sétimo andar. Gases, flatulência, inchaço…De facto, muitas misturas à venda incluem na sua composição enzimas digestivas que supostamente deviam ajudar. Só é pena estarem aí todas as enzimas, menos a única que realmente poderia fazer diferença: a alfa-galactosidase.
A proteína de tremoço (Tarwi) em forma pura, sem misturas, é interessante por ser mais limpa e ter um sabor (relativamente) neutro. O fabricante gaba-se do facto que gera menos gases por não conter lectinas, já que o tremoço é uma leguminosa naturalmente baixa em lectinas.
As lectinas são anti-nutrientes, proteínas de origem vegetal capazes de se ligar a hidratos de carbono específicos presentes na superfície das células. Existem nas leguminosas cruas mas são inativadas com apenas 10 minutos de cozedura. No caso de proteínas em pó derivadas por exemplo da ervilha ou soja, isto poderia teoricamente ser um problema porque as lectinas podem reduzir a absorção de alguns nutrientes ao se ligarem à parede intestinal.
No entanto, a maioria dos processos industriais de extração de proteínas (como isolados ou concentrados) reduz significativamente os níveis de lectinas. Muitos estudos confirmam que o cozimento ou processamento em alta temperatura neutraliza lectinas ativas.
Mesmo que as lectinas fossem presentes em qualquer produto proteico em pó, não são elas as responsáveis pela má digestão. As verdadeiras responsáveis são a fibras e oligossacarídeos (principalmente raffinose e stachyose) fermentados pela microbiota intestinal, produzindo gás e flatulência.
E nisto, a proteína de tremoço também poderia alguma vantagem, ao ser também baixa em oligossacarídeos fermentáveis (comparada com a ervilha).
Poderia portanto causar gases em menor escala. Pena que o fabricante optou por lhe adicionar inulina, uma fibra prebiótica que fica muito bem no rótulo nutricional mas que é altamente fermentável e é conhecida por gerar…gases!
O que fazer então? Começar em doses baixinhas e observar as reações digestivas. Se correr bem, ir aumentando até chegar à dose aconselhada (tipicamente um scoop deveria fornecer cerca de 20g de proteína).
3. O sabor das proteínas vegetais em pó é muito variável: dependendo do produto, pode ser horrendo, ou tenebroso, ou de fugir; no melhor dos casos, ou seja no caso daquelas consideradas mais “suaves”, este termo significa na prática “tolerável”.
As misturas existem por causa do sabor. A ideia é disfarçar o mais possível o sabor das proteínas em pó presentes no produto. Ora, para este efeito, as várias marcas não se coíbem se usar os ingredientes mais funky, entre os quais, claro, montes de açúcares ou adoçantes vários. E aqui, atenção: não interessa quão baixo ou nulo for o índice glicémico do adoçante escolhido. Começar o dia com uma avalanche de sabor doce irá desencadear processos metabólicos adversos; poderá mudar o mecanismo, mas o resultado será péssimo em absolutamente todos os casos.
O que sugiro em alternativa às misturas é: optar pelas tais proteínas em pó mais limpas (de tremoço, de abóbora, de girassol, de amêndoa biológica), e em forma pura.
E fazer as tuas misturas na altura de usares. Se lhe queres dar um toque mais doce, usar fruta possivelmente inteira (cortada, claro, mas não batida num processador) ou tâmaras. Mas se queres mesmo usar banana ou tâmara num batido com proteína vegetal, as minhas dicas são:
Toma uma boa dose (5-10g) de fibra de psilio antes do batido;
Adiciona auxílios proteicos sem ser em pó: iogurte natural (normal ou de soja), ou tofu sedoso, ou manteiga de amêndoa/amendoim. Isto ajuda a reduzir a quantidade de proteína em pó a adicionar ao batido.
Um uso alternativo das proteínas em pó pode ser num contexto não doce, por exemplo adicionando-as às sopas ou estufados de leguminosas e legumes. Neste caso fica bem a combinação da levedura nutricional (também muito interessante em termos de conteúdo proteico) com proteína de tremoço ou de abóbora.
Ok, mas o que sugeres não é prático: tenho que levar para o ginásio, certo?
Bem, a ideia clássica de que seria obrigatório consumir proteínas e hidratos de alto índice glicêmico imediatamente após o treino para maximizar a síntese proteica muscular foi revisada nos últimos anos. A literatura atual indica que o período pós-exercício para otimizar a síntese proteica é mais amplo, podendo se estender até cerca de 2 horas após o exercício.
A ingestão de proteínas (20–40 g) após o exercício é recomendada para estimular a síntese proteica muscular, mas o momento exato pode ser ajustado conforme o teu contexto alimentar. Os hidrato de carbono junto com proteínas podem aumentar a secreção de insulina, o que ajuda a suprimir a degradação proteica, mas não é necessário um pico elevado para maximizar a síntese proteica.
Portanto, o foco deve ser em atingir a ingestão total diária adequada de proteínas, distribuída ao longo do dia, e não apenas imediatamente após o exercício.
Uma última consideração final
Se és uma praticante de exercício físico e queres aumentar a tua ingestão de proteínas, não o faças ao calhas. Não precisas de aumentar o teu consumo de carne. Não tens que comer os 6 ovos por dia ao pequeno-almoço preconizados por alguns “health influencers”.
Não tens que te encharcar de proteínas em pó, sejam elas vegetais ou animais. E não tens porquê comprar os produtos “com mais proteína”, tipo aqueles iogurtes ridículos cheios de ingredientes absurdos.
Fica também a saber que não compensa tentar ingerir quantidades absurdas de proteinas em batidos: não vais conseguir absorver muito mais do que 20-30 g.
E sobretudo: lembra-te que as proteínas que ingeres cada dia não derivam exclusivamente do grupo de alimentos proteicos: cereais, verduras, frutos secos, sementes e cogumelos, também contribuem ao balanço final.
E se não queres enlouquecer com cálculos e não confias no ChatGpT (e fazes muito bem, garanto-te), recorre a um/uma nutricionista. Eu estou cá para te ajudar.
Até já
